17 de fevereiro de 2019


REVIVER O PASSADO

Memórias da minha terra

Noras

Uma nora é uma engrenagem mecânica constituída por duas rodas dentadas, uma horizontal e outra vertical, e que ligada a outra roda maior sustenta uma cadeia de copos (alcatruzes) e que no seu movimento faz elevar a água de um poço, cisterna, rio ou ribeira para um nível superior de modo a permitir a rega das hortas, pomares, quintais, etc.
Parece que a origem do engenho é árabe e foi trazida para a Península pelos mouros.
Garantem-me que as primeiras noras chegaram ao Monte (Monteprobolso, pois claro) nos princípios do século XX.

Ruínas / destroços  de um engenho desses 
Pilhado num blog do conterrâneo Ilharco que não tenho o prazer de conhecer

Até aí o processo de extracção de água dos poços era com o "pau-de-balde" 
(outro dia falaremos sobre isso.)
A verdade é que o uso da nora transformou em muito a economia local, aumentando consideravelmente a área de regadio, mesmo nas margens do Rio Noémi, infeliz e lamentavelmente hoje criminosamente  poluído, o que é uma vergonha para o Distrito da Guarda e Concelhos da Guarda, Sabugal e Almeida.
Quem não deve ter ficado muito contente com a NORA terão sido, as vaquinhas, que começaram a andar à roda, mas por causa do passo lentos e por se chegar à conclusão que o trabalho da vaca era mal empregado a tirar água quem veio a pagar as favas foram os machos e os burros que ganharam um novo trabalho e uma nova valência: 
tocar a roda horas seguidas a andar em círculo, sem sair do sítio...

Coisa de dar em doido não fosse o "nosso aldeão"  inventar o "tapa olhos" como se as "palas" já não bastassem.





DESAFIO
Quem nunca manobrou esta tecnologia ponha um braço no ar
Quem calejou as mãozinhas com esta tecnologia hidráulica ponha os dois braços no ar!!!!

Na próxima que aqui vieres damos o resultado da votação


AS ALDEIAS 

Eu gosto das aldeias sossegadas,
com seu aspecto calmo e pastoril,
erguidas nas colinas azuladas,
mais frescas que as manhãs finas de Abril.

Pelas tardes das eiras, como eu gosto
de sentir a sua vida activa e sã!
Vê-las na luz dolente do sol-posto,
e nas suaves tintas da manhã!...

As crianças do campo, ao amoroso
calor do dia, folgam seminuas,
e exala-se um sabor misterioso
da agreste solidão das suas ruas.

Alegram as paisagens as crianças
mais cheias de murmúrios de que um ninho;
e elevam-nos às coisas simples, mansas,
ao fundo, as brancas velas dum moinho.

Pelas noites de Estio, ouvem-se os ralos
zunirem suas notas sibilantes...
E mistura-se o uivar dos cães distantes
com o cântico metálico dos galos.

Claridades do Sul , de Gomes Leal





Picotas

Engenho simples e tosco em madeira, existente há 5000 anos e que é, segundo alguns historiadores, originária da Mesopotâmia ou do Antigo Egipto (outras fontes referem a picota com origem romana) e que serve para elevar água de poços, rios, ribeiras, regatos para a superfície e normalmente com o fim de irrigar plantações de horta: batatas, feijões, nabos, couves, beterrabas, milho...



pau-de-balde

Com o seu saber e à custa de muito suor, o camponês ergueu, a pouco e pouco, o sistema hidráulico que permitiu levar água às leiras de cultivo. 
Construiu açudes para domar e aproveitar a água que corria brava pelas ribeiras. 
Escavou a terra para abrir poços e minas que foram de encontro aos veios subterrâneos. 
Nas encostas ergueu pequenos diques, que aprisionaram a água que se escapulia das nascentes à flor da terra.
Onde houvesse desnível era relativamente simples fazer chegar a água à horta através de levadas.
Mas o problema era alçá-la do fundo de um poço  Aqui o aldeão foi também prático e, à custa de algum engenho e muito esforço braçal, levou a água às leiras.
Inventou um engenho simples normalmente feito em madeira aproveitando o que a floresta lhe oferecia 
- o Pau-de-balde -
cujo nome vai variando conforme a terra:  burra d’ ógar (augar ou ugar), ogadoiro, picanço, cegonha, esteio, cambo (nos dois últimos casos tomando-se a parte pelo todo), etc.

Esquema do engenho de içar água

A picota era formada, essencialmente, por 3 partes: a forquilha, a vara e o cambão.

São seus componentes: o esteio, gacha / galhada ou forquilha (pau bifurcado com a base enterrada no solo); o cambo ou travessal (pau móvel); o eixo do esteio (ferro que atravessa a bifurcação para segurar o cambo); o contra-peso (pedra que é presa a uma das extremidades do cambo); a vara, cambão ou vareiro (pau que se suspende da extremidade do cambo e onde se dependura o balde).

O engenho invadiu literalmente os campos. 
Onde houvesse horta regadia, lá estava o cambo na vertical, esperando que braços musculosos o fizessem girar e ir à busca da água. Pegando na vara, o aguadeiro fazia-a descer ao fundo do poço, onde o balde era mergulhado, sendo depois alçado, aqui em tarefa facilitada, dado o papel da pedra que na outra extremidade do cambo fazia de contrapeso. Porém para o seu funcionamento contínuo era necessário muito esforço, ou seja, sendo útil para uma pequena rega, era manifestamente insuficiente para regar batatais e milharais de grande extensão.
E durante séculos decorou a paisagem por todo o lado. Há informação que no Antigo Egipto já se usava a picota para rega de hortas
Na minha meninice e mais tarde durante nas férias bastas vezes participei nos trabalhos agrícolas, nomeadamente na rega da horta do quintal dos nossos avós, na altura ainda indiviso e já cultivado pelos meus primos 



Mas afinal em que consistia a rega?  
Bem, na década de 50 (século XX),  a rega era essencialmente “rega por pé”.
A rega por pé consistia em encher de água os regos previamente feitos entre as diferentes fiadas de plantas  (batatas, feijão, milho, beterraba etc). A água tirada do poço, era despejada, balde a balde, no tabuleiro (pia de pedra)  junto ao poço e dai encaminhada e desviada rego a rego com a ajuda da enxada.
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Dos muitos milhares de "pau-de-baldes" (noras, roldanas, sarilhos) usados desde sempre do Norte ao Sul de Portugal, restam muito poucos nos nossos dias pois paulatinamente foram substituídos por nora, moto-bombas, e actualmente a rega deu lugar à irrigação dos terrenos.:
Irrigação: localizada / gota a gota, por aspersão, torre central giratória, micro aspersão, etc.

Um dos primeiros utensílios terá sido um balde ligado a uma corda, mais tarde suspenso de um gancho e, depois, de uma roldana, por ser mais fácil exercer força em sentido descendente do que no sentido ascendente.
Sarilhos


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Linha da Beira Alta:  1882 
Figueira da Foz - Pampilhosa - Guarda - Vilar Formoso

Locomotiva a vapor - Linha da Beira Alta 1930

Quem nunca viajou numa locomotiva a vapor levanta um braço
Quem já viajou levanta os dois

Todos os miúdos têm uma estória para contar.
Quando assim é, é bom.
Não precisam de inventar
Ainda hoje recordo uma das máximas de meu pai. Dizia ele: 
-- Quando não vimos... quando não ouvimos - não inventemos!!!


Desenterrando memórias

Pois bem quando era miúdo, com os meus tenros 7-8 anitos (já lá vão mais de 7 décadas, mas o que é isso comparado com o raio da Terra) sempre que íamos à "terra" nos idos meses de Setembro, mês das vindimas íamos, de comboio pela vetusta linha da Beira Alta, hoje com quase 140 anos.

Coimbra - Estação Nova - anos cinquenta - séc. XX
(Repare-se no intenso tráfego automóvel -1 trolley em circulação e 1 automóvel parado na Rua António Granjo-  e as amplas passagens/passadeiras  para peões, vendo-se bem ao centro do cruzamento com a Av. Fernão de Magalhães,  uma vendedora de arrufadas em amena conversa com o cliente)

Saíamos de Coimbra  -Estação Nova- por volta das 3 da manhã no Correio (que o "rápido" não passava da Guarda e o Sud Express era para gente fina e só parava em Vilar Formoso) e chegávamos à estação do Noémi por volta das 3 da tarde.

A linda e ilustre "carruagem postal" que dava o nome ao comboio



Lindo, forte, grande e saudoso comboio correio -parava em tudo o que era sítio: estações, apeadeiros, posto de abastecimento de depósitos de água e até no meio de nada para meter lenha para a fornalha, e que  o "progresso" reformou na década de setenta do século passado com a reforma das locomotivas a vapor
Mal dormidos e com os colarinhos todos tisnados da fuligem com que a chaminé da locomotiva nos brindava.
Bons tempos em que se andava ao som do "pouca terra... pouca terra..." com locomotivas alimentados a lenha e raras vezes a carvão de pedra, que os racionamentos do grande conflito que assolou a Europa e o Mundo entre 1939-45 não permitia


(nesta linha, locomotivas a diesel, nem vê-las 
muito embora a primeira tenha chegado a Portugal no fim dos anos trinta.)

Ao parar na Estação do Luso-Buçaco (repito que o "Correio" parava em todas as estações e apeadeiros) aproveitávamos para levar uma linda bilha com a famosa água da Fonte de São João ou das 11 Bicas!!! e um cestinho de fruta ou arrufadas
A partir daqui os túneis furavam a Serra do Buçaco e eram tantos que lhes perdíamos o conto... lá mais à frente, Mangualde se a memória não me atraiçoa, e a locomotiva parava antes da estação para meter água dum daqueles enormes depósitos postados ao lado da linha. É que a caldeira tinha sede e não podia haver descuidos.
Noutro ponto era a fornalha que pedia lenha e o maquinista lá parava, em terras de ninguém, para meter mais uns cavacos.
Estávamos em plena II Grande Guerra e tudo escasseava

... e nós cheios de pressa em chegar...

Entretanto nascia o sol... era uma alegria... mas que me causava profunda confusão.
Explico:
O sol nascia por alturas de Vila Franca das Naves espreitando "maliciosamente" do lado direito da janela... passávamos Vila Franca das Naves e  "misteriosamente" passava para lado esquerdo!!!
Demorei tempo a perceber o fenómeno.

Perfil da Linha da Beira Alta entre a Pampilhosa e Vilar Formoso 


Chegados à Guarda Gare esperávamos pelo Correio da Beira Baixa e lá seguíamos pelo último tramo: Guarda - Vilar Formoso.

Estação da Guarda 1909

Ainda tenho de memória apeadeiros e estações até ao nosso destino -NOÉMI (nome herdado do rio que acompanhava e acompanha este troço da linha até ao Coa):
Gata - Vila Garcia - Vila Fernando - Rochoso - Cerdeira - Miuzela - Noémi

A estação do Noemi  servia o povo de Porto de Ovelha, Vilar Maior (a Sul) e Monteperobolço, Ade, Mesquitela, Cabreira, Amoreira (a Norte) tanto no transporte de pessoas, como mercadorias e malas de correio

Só para lembrar aos mais esquecidos e aos jovens de agora aqui vai a lista de Estações e Apeadeiros  entre a Guarda e Vilar Formoso.- Paragem obrigatória do Comboio Correio e também de um outro comboio que de manhã cedo e ao fim da tarde fazia essa mesma ligação, o Trama.
De manhã ia de Vilar Formoso para a Guarda e ao fim da tarde fazia o caminho inverso; Guarda - Vilar Formoso facilitando a vida ao "povo" que precisava de ir à capital tratar dos seus assuntos


As 12 estações e apeadeiros no troço Guarda - Vila Fernando 


Estações e Apeadeiros no troço Rochoso - Noémi


Estações e Apeadeiros no troço  Castelo Mendo - Vilar Formoso


Nota:
A estação de Vilar Formoso é uma das estações mais bonitas dos Caminhos de Ferro de Portugal com um notável e artístico conjunto de painéis de azulejos
Foi inaugurada em 3 de Agosto de 1882 pela Família Real: Rei D. Luís, Rainha D. Maria Pia e o príncipe D. Carlos.





Bons tempos, boas lembranças e muitos  sorrisos despreocupados,  que viraram em lembranças e agora são estórias para contar aos netos.



carpe diem
(aproveite o tempo presente)



Aí vai ele a caminho da estação do Noémi bufando por todos os lados


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